quarta-feira, novembro 23, 2005

Ensaio sobre a Cegueira (Editorial Caminho, 1995)


“Trata-se de uma situação em que toda a gente cega e, a partir daí, ninguém sabe conviver, onde ir ou o que fazer, porque o mundo está organizado para quem vê. Então, sobem ao de cima os instintos maus, a necessidade de sobreviver contra os outros. É um livro duro. Mas os livros podem pouco. Se pudessem muito, se pudessem tudo, imagino que a humanidade seria mais feliz. Desejaria que o Ensaio sobre a Cegueira fizesse pensar, que ao lê-lo as pessoas perguntassem a si próprias: «É assim que somos? Aonde nos leva o caminho por onde vamos?» Se tal suceder já poderei dar-me por satisfeito.Vamo-nos habituando às coisas más, dolorosas, alucinantes. E perdemos a sensibilidade, a capacidade de reagir às coisas más, de combatê-las. Este livro é, de uma maneira transposta, a metáfora do medo real. Tinha que ser duro, porque o mundo é duro e violento. Foi a consciência desta sociedade que é a nossa que me levou a escrever este livro. É como quem cumpre um dever, uma obrigação. Se penso que as coisas estão assim, tenho que dizê-lo... Como se dissesse: como vamos? vamos mal. Não posso mudar o mundo, por isso a minha contribuição é escrever um livro onde o denuncie. E o leitor irá decidir até que ponto isso lhe interessa."

José Saramago

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