Todos os sábados o casal de velhinhos, atravessava a rua e iam para o bar da esquina. Ele de nome Silvio, tinha um semblante sério, mal humorado, ela, bem cansada pela idade, tinha feições meigas, as rugas profundas, pareciam marcar a história de sua vida. Sentavam no bar e o Silvio pedia cerveja, e conversavam banalidades, mas lá pelas tantas da tarde, Silvio começava a ofender a parceira de bar, que só bebia refrigerantes, talvez a maneira discreta de acompanha-lo na bebida. Silvio começava a ofende-la, culpava-a de sua infelicidade, ela o olhava, num olhar vago e meigo, Silvio dizia de sua solidão, que marcava a história de sua vida, culpava-a de não Ter filhos, dizia que odiava seus olhos azuis, suas rugas e seu silencio, e quando as acusações ficavam sem fundamento, Silvio tirava a blusa de seu time e a vestia na parceira de mesa, ela passivamente permitia que a camisa cobrisse seu rosto, sem desce-la até o pescoço, e sem um só movimento, ficava naquela posição um tanto débil, a escuta das acusações do Silvio. Ele pagava a conta sob os olhares de reprovação, e num gesto meio cômico, carregava a companheira no colo, pois ela permanecia com a camisa sobre os olhos, carregava-a até a rua, parava perto da porta do sobrado, colocava-a no chão, abria a porta, voltava e a carregava até as escadas. Foi num sábado de outono, o sol disputava com a brisa fresca que envolvia a cidade. O casal chegou no bar. Todos sabiam que a cena se repetiria como todos os sábados. Alguém pilheriou que não permitiria que o Silvio cometesse a mesma covardia de todos os sábados. Silvio chegou, ainda alegre com a companheira silenciosa, pediu cervejas e bolinhas de queijos, sentaram-se à mesa e o dialogo começou sem problemas, na rua o vento soprava a poeira, ela, tentou se defender da poeira e Silvio ajudou-a a limpar o braço enrugado, os dedos compridos sobre a mesa, o corpo frágil. Nesse instante alguém ligou o rádio e a música de xitãozinho e xororó ecoou pelo bar “quando a gente ama qualquer coisa serve pra lembrar, um vestido velho da mulher amada tem muito valor...” ela tentou cantarolar, batendo levemente os dedos sobre a mesa. Silvio empolgado com a música acompanha os cantores, e com a cerveja no copo, faz um brinde no ar, a companheira levante seu copo de guaraná, respondendo num gesto meigo o brinde, sabe-se lá porque. Quando termina a música, Silvio sugere que repitam a fita, e paga para tal musica permanecer, e a essas alturas a cerveja já começara seus efeitos e Silvio, cantando, dá uma parada e olha nos olhos meigos da companheira de bar e faz as acusações de sua infelicidade, ela o olha, balbucia algo, mas Silvio não permite que ela diga algo, diz que odeia sua voz, seus olhos e seu silencio. Tira a blusa e cobre seu rosto, pede a conta e a carrega de maneira patética. As pessoas do bar fazem os mesmos comentários de recriminação, mas ninguém impede Silvio a carregar a companheira pela pequena rua, pela pequena distancia. Ao atravessar a rua, Silvio para e olha para trás, olha para o bar e grita para que desliguem a música. Chega perto da porta do pequeno sobrado e deita a companheira no chão, o sol já desistira de lutar com o vento, folhas de jornais rolavam pela rua. Silvio abre a porta e se abaixa para carregar a companheira, que não reage, Silvio a sacode e tira a camisa de seu rosto. Percebe nesse instante que a companheira de bar, não respondia aos seus chamados. Silvio dá um grito de pavor. __ Camélia, Camélia, eu te amo, não faça isso comigo, não me deixe, Camélia, eu te amo. E sacode seu corpo inerte no chão, nesse instante ambos cercados pôr pessoas. E no desespero da morte, Silvio sofre um enfarte fulminante caindo sobre o corpo de Camélia, que nesse instante, acorda do desmaio, ajudada pelas pessoas, Camélia, num gesto meigo, e sofrido, senta no chão, segura a metade do corpo de Silvio sobre seu colo, e num gesto maternal, permite as lágrimas rolarem em seu rosto marcado pelo tempo: _____ Meu filho, eu te amo, não me deixe.
Ainda sofria a dor da perda de minha mãe. Minhas vestes ainda de luto. A dificuldade de minha vida simples, com quatro filhos, e na precária informação dos anos 50, sabia apenas que os destinos dos portugueses era o Brasil. Amanheci naquele dia com o peito apertado, mal consegui cumprir com as tarefas domésticas, talvez quisesse atrasar as horas. Alberto com quinze e Augusto, com dezesseis anos, meus dois filhos iriam naquele dia partir para o Brasil. Terra distante, a terra prometida onde o ouro brotava a flor da terra. Foi chegada à tarde, arrumava suas malas com os mesmos cuidados de quando pequeninos iam para a escola, arrumei uma maleta com bolos, doces etc. como se aquela refeição durasse para a vida inteira, como se a viagem fosse breve, como se eles fossem voltar breve, em minha mente ainda não havia a certeza da longa partida, de dias sem fim de uma saudade imensa. Eram quatro horas quando a charrete parou em frente a minha casa e meus filhos já prontos, num silencio triste, seus olhinhos arregalados, como prontos para uma missão patriota. Fomos caminhando até a porta, as escadinhas de barro não cabia todos nós, e de um a um descemos até o portão. O cachorrinho Dic acompanhou silencioso, batia o rabo parecia prever a saudade, parecia despedir. Os dois subiram na charrete, fiz recomendações de cuidados, de notícias, mas que notícias? Se onde morava nem correios tinham, e para onde eles iam, será que tinha? As rodas secas da charrete foram resmungando a força de meus pensamentos “não vá”. No céu as nuvens coloriam os raios de sol. A charrete e foi se afastando lentamente, os dois olharam para trás, eu apenas os olhava silenciosa, A estrada curta, logo a charrete se perdeu numa curva. Nesse momento, segurando o moerão do portão, senti algo sair de meu peito e despencar de meus olhos as primeiras gotas de lágrimas, que inundaram meus olhos de uma dor nunca antes sentida. Uns pássaros voaram no céu em direção a estrada, olhei para o horizonte e montanhas embaçadas cortaram minhas vista, e pensei em que horizonte estaria o Brasil? E num gesto infantil, corri até a estrada, dei conta naquele momento da perda de meus dois filhos, corri como se a chamá-los poderia trazê-los de volta, corri, corri, e quando cheguei na curva, avistei uma poeira ao longe, imaginei que pudesse ser da charrete, retornei até o portão, e tentei ser rigorosa, e num gesto de mãe autoritária gritei em meus pensamentos “Alberto e Augusto... voltem” mas esse pensamento de nada valeu, subi com dificuldades os três degraus até a porta da sala, num silencio triste, passei pelo quarto deles, e vi as camas vazias, fui até a cozinha e o fogão de lenha ainda em brasa, e na pequena mesa, as canecas do café tomadas às pressas e os farelos de bolo ainda pela mesa, as lágrimas faziam aquelas cenas turvas. Fui até a janela do quintal, o galo cantou tristemente, bateu as asas e foi embora, olhei os matos, as árvores, pareciam Ter crescido, senti-me pequena naquele instante, passei as mãos em meus seios, e lembrei de quando os amamentei, passei as mãos em meu ventre, estava gelado, parecia que havia um buraco que vazava até minhas costas, chorava baixinho enxugando as lágrimas na velha saia preta, luto de minha mãe. Perambulei pela casa, que como as árvores, ficou enorme, era a saudade em vida, enterrar os filhos por morte em vida, tinha o mesmo sabor, um sabor amargo, uma dor sem fim. Minha filha mais nova, não entendia minha dor e perguntou na sua inocência, quando eles voltariam. Nesse momento dei conta da pergunta e da resposta: não sabia. Era assim com muitos patrícios, era assim a dor de muitas mães. Foi assim desde os primeiros navegantes. Talvez por isso os poetas e cantores eram tão melancólicos em suas obras e canções. Voltei até a porta da sala, tentei ir até o portão, mas não tive forças, era tardinha, ainda cedo para ir para a cama, mas fui. Deitei lentamente em minha cama, escondi meu rosto no travesseiro e chorei, chorei muito, tanto, mas tanto que adormeci e sonhei que Alberto e Augusto estavam no navio, o mar batia e os dois estavam abraçados de calças curtas e boné, perto da proa, as ondas imensas ameaçavam o navio, eu estava em outro navio e tentava alcança-los para salvar, nesse momento eles gritavam por mim, joguei uma corda até eles, queria trazê-los para o meu navio, a chuva castigava, a tempestade era terrível, a corda foi até perto de meus filhos, eles seguraram e tentei puxa-los até o meu navio, mas uma imensa onda arrastou o navio deles, gritei, mas gritei tanto que acordei com minha filha e meu marido a olharem pra mim perguntando, e novamente cai num choro de mãe, como se uma parte de meu corpo tivesse sido arrancado e dessa vez não escondi meu choro, chorei no silencio de todos que olhavam aquela mãe sofrida. A noite chegou, servi o jantar, meu corpo doía muito, meu marido e minha filha foram dormir, acenderam os candeeiros, perambulei pela pequena casa, passei pela cama de meus filhos viajantes e senti vontade de juntar as duas camas e deitar lá, recusei a vontade e fui até a janela, o vento quente trouxe a voz melancólica de um sanfoneiro, e as lágrimas brotaram duplicando as estrelas no céu. Fui até o quarto de meus filhos, pequei duas blusas velhinhas deles, caminhei até os pinheiros ainda sentindo o cheiro deles, dobrei os mais que pude, tapei minha boca para que ninguém ouvisse meus gritos e gritei seus nomes, gritei o mais que pude, quase sufocando meu rosto chorei até que as lágrimas desceram tão quentes que pareciam cortar minha face, retornei até a casa, meus passos agora trôpegos, como uma anciã, mas era a dor que envelheceu minha alma, a dor da saudade de meus filhos. Fui para a cama, à noite longa, só trouxe recordações de suas vidas, dos sorrisos dos choros, das voltas do pomar com frutas nas cestas, dos banhos de chuva em tardes de verão, das brincadeiras de meninos, dos primeiros passos, dos primeiros dias de vida quando aconchegavam em meu colo, sugavam a fonte de vida tirada de meus seios, das dores que senti para a porta do mundo, num parto de dor e alegria, das noites com meu marido onde sonhei com uma casa cheia de filhos e netos para perpetuar a família, para dar a alegria a minha vida. Nessas recordações, amanheci, a dor doía ainda mais. Os dias se arrastavam sem nada. Sem notícias, sem esperança, às vezes ficava olhando o caminho e parecia que logo, a charrte traria de volta meus meninos. Mas a esperança se perdia quando olhava para as montanhas lá longe e as lágrimas inundavam meus olhos, e quando não conseguia distinguir mais nada, pensava, assim é o Brasil, nada sei como é esse país, da distância, que nos separou. E quando a saudade apertava meu peito, a esperança findava com as tardes, ia até os pinheiros, tirava de dentro de meus seios as blusas de meus filhos, e para que ninguém ouvisse, sentia o cheiro deles, envolvia o mais que podia a minha boca e gritava seus nomes, um grito de dor, um grito de mãe. Hoje, estou com oitenta anos, não posso mais ir até os pinheirais minhas pernas não permitem, não posso mais gritar, minha voz está fraca, ainda guardo suas blusas rasgadas de tanto que enxugaram minhas lágrimas, mas, na cadeira de balanço, quando estou sozinha...ainda posso chorar. Os pinheiros ainda são os mesmos, ainda guardam meus gritos e minhas lágrimas. .
Domingo de sol, alguém chega com alegria informando que trouxera peixes E camarões para a caldeirada. Dona Isabel falou baixinho para Seu Antonio que só podia ser Lurdes chegando, pois ela trazia alegria e gritaria. Reunidos na cozinha, dividiam as tarefas para o almoço. Sandra ficou pra cortar os legumes, Magali pra limpar os peixes, Marina a cunhada, mulher de Alberto, grávida, foi poupada, ficaria sentada participando da conversa. De repente Lurdes pergunta por Roberto, o irmão mais novo de dezesseis anos. Dona Isabel responde com aquele jeito de carinho e preocupada, que ele está dormindo. Lurdes faz sinal de crítica, vai até o quarto e para na porta olhando Roberto adormecido que resmunga para que ela saia. Lurdes senta na beirada da cama e pergunta o motivo dele estar dormindo até àquela hora e com tanto calor. Roberto não responde, e vira para o outro lado. Lurdes se afasta, em seu olhar transparece a preocupação, e fica sabendo que Roberto chegara quase ao amanhecer. Sua mãe informa que a maior preocupação dela é com acidentes e assaltos. Roberto levanta da cama, e vai tomar banho. Ao chegar na cozinha, procura algo pra comer. A família o olha com atenção e logo alguém oferece café e tenta iniciar uma conversa, mas Roberto recusa, toma o café olhando para a janela silencioso. Lurdes é enfermeira, estava separada e não tinha filhos. Fica observando o jeito de Roberto, mas não fala nada. Roberto se despede da família e Dona Isabel reclama que ele não fica mais em casa como antes e que não entende seu modo de viver. Lurdes discretamente vai até o quarto de Roberto e tenta abrir seu armário. Depois de muitas tentativas, Lurdes depara com uma pequena maleta. Ao abrir, toma um susto. Lurdes sempre temeu que Roberto se envolvesse com droga ou furtos, mas o que ela acha na maleta, é um diário em que ele confessa suas tendências sexuais. Lurdes dá um grito e chama as irmãs, os pais se aproximam, mas Marina tenta disfarçar fazendo sinal para Lurdes não falar para eles, mas foi tarde demais. O almoço transcorreu em clima de tristeza, cada um tramou uma maneira de falar com Roberto quando voltasse. Marina tentava tranqüilizar a família, dizendo que o homossexualismo era natural, que na história da humanidade, existiram grandes personalidades que deixaram grandes obras e muitos respeitados, e que até nos animais existem essa opção. Mas nada adiantava, Dona Isabel e Seu Antonio, passaram a tarde no quarto envergonhados. O tempo foi passando, a noite chegou, todos foram embora e Roberto não voltara. Da raiva passou a preocupação. Amanheceu e nada da volta. Resolveram procurar na policia e nos hospitais, quando Marina percebeu que a preocupação aumentava há cada hora resolveu contar que tinha ligado para o celular de Roberto informando o que descobriram e que ele não mais voltaria. A reação foi geral, começaram a chorar e diziam que Marina não deveria ter tomado aquela atitude. O ônibus sai da rodoviária, Roberto está na janela, de seus olhos rolam lágrimas, era uma mistura de vergonha e saudade, não se despedira de seus pais, sempre pensou ir embora, viver sua vida, mas não daquele jeito, fugindo como um criminoso. Sabia que aquela viagem seria longa, escolheu o Rio de Janeiro, lá ninguém o conhecia, lá não precisaria esconder sua verdadeira sexualidade, lá encontraria a liberdade. Na rodoviária o tumulto era grande, pessoas que vinham, outras que iam, Roberto deu a ultima olhada para o ônibus de sua cidade, suspirou e sorriu como um menino. Trazia pouco dinheiro, pois fora muito de repente. Procurou um banco e sentou esperando o dia amanhecer. Nada sabia daquela cidade. O dia amanheceu, Roberto levanta do banco, procura um banheiro para se arrumar, lava o rosto, passa as mãos molhadas pelos cabelos e lembra que não tinha pente, a roupa amarrotada, mas o rosto jovem e bonito o anima para partir para a luta pelo desconhecido. Dá um sorriso e sai. Caminha sem direção pela calçada, o suor escorria pelo rosto, palpava o bolso, preocupado. Chega no centro do Rio, entra numa lanchonete e pede um salgado e um refresco. Como devagar, para matar a fome, não poderia comer outro. Senta em um banco, não sabe em que trabalhar. Seu corpo franzino, rosto de menino, não tinha forças para pegar em trabalho pesado. A sua frente os garis da prefeitura faziam a limpeza, Roberto admira a força daquele pessoal, mas sabe que ele não poderia optar por aquele tipo de função. Olha para os restaurantes, nada sabe de servir refeições. De repente sentam dois meninos ao seu lado, um deles com uma faca, impõe que Roberto entregue o dinheiro. Roberto assustado tenta negar, mas a faca é espetada em suas costelas lentamente, e ele não tem outra saída, entrega o pouco que tinha. Os meninos saem lentamente e olham rindo. Roberto volta para o banco e chora, um choro sentido um choro de menino. Ele sae daquele lugar e anda pela cidade. A noite foi chegando, as pessoas voltando para suas casas, Roberto sente fome. Vai andando, procurando no chão alguma moeda para comprar o que comer acha uma aqui outra ali, mas não completam o valor de um lanche. Não tem outra alternativa, entra nas lanchonetes e aguarda discretamente alguém jogar um resto de lanche no lixo, mas nada acontece, vai para outra lanchonete. Entra e aguarda, nesse instante um cachorro de rua para perto da lixeira, parecia estar com a mesma intenção, e alguém joga um salgadinho que bate na lixeira e cai fora, Roberto se aproxima mais rápido que o cachorro, que o olha decepcionado, Roberto se afasta e o cão o acompanha, ele reparte o pequeno pedaço e vai embora. Anoiteceu, ele escolhe um local para dormir, a praça parecia segura, pois tinha muitas pessoas. Roberto senta no banco se acomoda e fica olhando as pessoas passando a sua frente. De repente sente um homem ao seu lado e pergunta se ele não gostaria de tomar um banho em sua casa. Roberto aceita imediatamente, sem nada falar. Caminham pela rua e chegam num pequeno apartamento. Roberto enfraquecido olha para a cozinha e a fome aumenta, mas o homem indica o banheiro. Depois indica o quarto. Quando o homem adormece, Roberto tenta acorda-lo para pedir algo pra comer, mas o homem mal humorado levanta, vai até a cozinha e volta com cervejas, ele recusa e diz que precisa ir embora, o homem pergunta o valor daquela transa, Roberto surpreso responde um pequeno valor, pois a intenção dele era comer algo. Ele pega o dinheiro e sai pulando pelo corredor, sentia muita fome, vai a procura de uma lanchonete, mas já era tarde, estavam fechadas. Roberto preocupado em não ser roubado, esconde o dinheiro sob uma pedra perto do banco. E acertara, pois não demorou, dois rapazes o abordam exigindo dinheiro, ele nega e mostra os bolsos vazios, antes de se afastarem, dão socos e pontapés em Roberto. Ele adormece e as lagrimas, misturadas ao sangue, que corria de suas narinas, mostrava uma aparência desagradável. O dia seguinte foi mais fácil, pois fez as refeições necessárias. Perambulou pela calçada, até que anoiteceu e Roberto voltou para o mesmo banco. Conheceu outros e outros homens, comprou algumas peças de roupa e decidiu procurar um emprego. Perambulava pelo comercio à procura de uma vaga, nada conseguia.Quando anoitecia retornava para a praça. Uma noite estava à espera de algum homem, quando foram abordadas por outras prostitutas elas exigiam que Roberto saísse dali, pois ele estava atrapalhando o trabalho delas. Ele tenta explicar que não conhecia outro lugar, foi humilhado e ameaçado de levar uma facada. Na confusão, a policia chegou e foi levado preso. Na delegacia, tentou explicar, mas foi jogado numa sela. Os presos tentaram estupra-lo o pavor era nítido em seu rosto, tentava se defender, quando Valeria, um o defendeu daquelas pessoas.Sem entender, os presos desistiram. No dia seguinte foi libertado sob recomendações da policia para não arranjar mais confusões. Roberto tentou explicar que não fora ele, mas não quiseram ouvir. Ele e valeria foram libertados. Durante o dia Roberto ficou afastado da praça, até que anoiteceu, retornou ao lugar, com intenção de se explicar às prostitutas, quando encontrou com Valeria. Que falou que o observava há dias, e ofereceu ajuda. Roberto aceitou. Mas teria que esperar até o dia amanhecer, pois Valeria tinha que “trabalhar” naquela noite. Quando amanheceu, Roberto foi acordado por Valeria. Foram para seu apartamento. Valeria disse que ele poderia ficar ali, mas teria que pagar o aluguel. Ele vai até a janela, em seus pensamentos a lembrança de sua família, a saudade fazendo parte de sua nova vida. Valeria o chama e oferece uma roupa feminina, ele aceita e dá um sorriso triste. Valeria animada, informa que daquele momento em diante ele sofreria uma transformação.Suas pernas foram depiladas, a roupa extravagante, Roberto desajeitado, mas feliz. Valeria sugere vários treinos pela casa, aguçando um lado extravagante feminino, ele obedece. Valeria diz que aquela seria sua primeira noite de mulher na rua do Rio. Escolhem um nome exótico “Sarita”., Roberto ficaria no passado. Inicia uma nova vida, as aventuras da rua variavam entre agradáveis ou às vezes desastrosas, Sarita agora com as feições femininas. Uma noite estava na calçada de uma avenida, quando foi abordado por um casal que o observava de longe, Convidou-a para um teste no show de travestis, Sarita aceitou e sua atuação foi sucesso.Quando cantava sua voz grossa, contrastava com suas feições, era destaque no show. Valéria exigia mais dinheiro dele, até que uma tarde, Sarita não teve disposição para levantar, Valeria vai até sua cama e percebe que ele ardia em febre, temerosa pelo motivo daquela febre, sugere que ele procurasse um medico. No dia seguinte Sarita foi ao posto medico e voltou com a informação que o medico exigiu um exame de HIV. Valéria deu um suspiro nervoso e voltando o olhar para Sarita diz que independente do resultado, ela não o queria em seu apartamento, pois isso implicaria em comentários que poderiam prejudicar sua clientela. Sarita ainda febril foi para a rua. Foi até a casa de show a procura dos donos e quando lá chegou ficou sabendo que eles só voltariam no dia seguinte. Sarita mais um vez foi para a rua. Tudo que ganhava, entregava a maior parte para Valeria, não tinha economias, o estado de saúde piorando. Fraco e faminto Sarita voltou para a praça. Quando conseguiu procurar os dono da casa de show, ao chegar, fora dispensado, Valeria tinha infomado ao pessoal que Sarita estava contaminada por Aids, antes do resultado. No coral da igreja no interior de Minas, a voz de Nair se destaca das demais, o maestro a elogia e a incentiva que ela continue a fazer parte daquele coral, mas Nair não esconde seu desejo de sair para as grandes cidades a procura de uma nova vida. Quando comenta em casa sobre seus sonhos, sua mãe muda de assunto dizendo que não repetisse essa conversa. A noite era fria, Nair arruma uma pequena mala e vai para a rodoviária. Chega no Rio de Janeiro ao amanhecer e sem rumo, segue pelas calçadas até que chega na praça. Senta ao lado daquela pessoa ainda adormecida em plena luz do dia. Fica olhando-a com carinho. De repente Sarita acorda e depara com Nair. Apresentam-se e falam de seus problemas. Nair é muito animada e diz que juntariam seus sonhos para saírem daquele pesadelo. Nair trouxera algum dinheiro e procuram uma pensão. Trata de Sarita e procuram o posto médico para saberem do resultado, e ficam sabendo que Sarita tinha apenas uma virose e que o exame de HIV fora negativo. Comemoram com alegria, até que Sarita confessa a Nair que era travesti. Nair sorri daquele episodio e tramam projetos de vida. No pequeno quarto Nair canta musicas da igreja para treinar a voz. Os dois fazem duplas com musicas populares. Os dois saem numa manhã a procura de uma casa de show. Ao fazer o teste, foi reprovada. Os dois voltam decepcionados. Na rua Nair fala para Sarita que o dinheiro era pouco, que tinham que arranjar algo para fazer o mais rápido possível, para pagarem a pensão. Sarita sugere que deveriam procurar uma casa de show de travestis. Ao chegarem, Sarita se apresenta e é marcado outro teste. Nair está na sala de espera, e passam dois homens dizendo que precisariam de cantores para fazer uma dupla. Nair dá um sorriso e tem uma idéia. Na pensão, ela diz para Sarita que se apresentaria como travesti para o teste. Sorrindo os dois tramam como se apresentarem. Sarita ensaia com ela como se portar. Seguem de volta para a casa de show. Na platéia os empresários sentados, esperam a dupla se apresentar.Sarita entra no palco, no rosto com maquiagens extravagantes, canta uma canção logo em seguida Sarita acompanha, fazendo uma voz forte. Os empresários entusiasmados contratam os dois para ensaios. Não sabem que Nair era mulher. A estréia é marcada. Nos cartazes a dupla chamava a atenção das pessoas que passavam. A platéia lotada. A luz colorida é anunciada o inicio do show. Quando Nair entra seus olhos correm pela platéia sua voz emociona o publico logo em seguida Sarita entra e os dois fazem o show. Sarita com uma fantasia de mulher de cabaré, cantando: A CIDADE ACENDEU AS LUZES, É HORA DA SAUDADE CHEGAR NO CABARÉ O PERFUME EXALA MISTURANDO NA FUMAÇA NO PIANO A CANTORA BRINDA OS VISITANTES LÁ FORA AS LUZES JÁ SE APAGARAM, SO FICARAM AS QUE ILUMINAM OS BOEMIOS A SAUDADE JÁ MISTURADA AO PERFUME DO CABARÉ E DISFARÇO AS LAGRIMAS COLORIDAS DA PINTURA DE MINHA FACE. O BATON SE PERDEU NO COPO MEUS CABELOS EM DESALINHOS NA LEMBRANÇA A FALTA DE SEUS CARINHOS...
Sarita entra vestida de boêmio, chapéu e roupas brancas,mas a maquiagem feminina contrasta com a roupa.
EI...NÃO DESMANCHE SEUS CABELOS ASSIM ESTOU AQUI PRA DIZER QUE VOLTEI LA FORA DEIXEI OUTRA AMADA SOFRENDO E CONTRA O VENTO, VIM CORRENDO PARA BRINDAR COM VOCE A SAUDADE PASSE OUTRA VEZ O BATON QUERO TIRAR COM MEUS BEIJOS E AFAGOS NO PIANO OUTRA VEZ ALGUEM VAI TOCAR A CANÇAO DOS AMANTES DA NOITE
Os dois cantam com o rosto colado, dançam em ritmo de tango e se beijam, Um grupo de bailarinas entram dançando. Arrancando aplausos da platéia.
. O empresário Walter desvia o olhar de Nair. Sarita percebe que ambos estavam apaixonados mas, Walter evita aquele sentimento por não saber que Nair era mulher. E Nair pede a Sarita que não fale do segredo pois, se ele soubesse, ele teria que terminar com a dupla,pois nos contratos nas casas noturnas, ele dizia que os dois eram travestis, e isso poderia implicar em encerramento de contratos e até em processo. Sarita concorda com ela. O sucesso da dupla chega ao conhecimento de uma casa de shows da França. Walter agiliza um contrato e os dois são convidados. Na França, eles se hospedam num luxuoso hotel. Sarita e Nair ficam no mesmo quarto. Na véspera da estréia, Walter liga para o quarto apressando os dois para o ensaio. Sarita desce até o shopping do hotel para comprar um presente pra Nair que fazia aniversário naquele dia. Walter preocupado com a hora vai até o quarto. Nair estava saindo do banho, joga a toalha na cama cantando a música do show. Depara com Walter e se olham por um longo tempo. Walter da um sorriso e pergunta por que ela não falara que era mulher. Nair cobre-se com a toalha. Nesse instante Sarita entra com o presente cantando “parabéns pra você...” Os três sorriem abraçados. Descem para a rua, a neve caindo eles se dirigem para o carro. Na casa de Roberto, e de Nair as família recebem um cartão postal da França. “O tempo passa a distancia aumenta, as lembranças vivem, e a saudade finda”. Lira Vargas.
Conheci Orlando numa feira de automóveis, trabalhando como recepcionista, seu jeito elegante e esportivo logo chamou minha atenção, ficamos numa paquera gostosa pôr muito tempo. Sempre que ele passava pôr perto nossos olhos se encontravam, e sorrisos misturados com timidez e sensualidade marcavam aqueles instantes entre um carro e outro. E sem surpresa, recebi seu cartão e um convite para um jantar, recusei informando que só ficaria livre no final de semana após a feira, Orlando abriu um sorriso e disse que não tinha problema, que aguardaria meu telefonema. Na semana seguinte liguei e marcamos um encontro. Para minha alegria Orlando comprara exatamente o carro que estava em meu stand Perguntando meu nome respondi : Helena. Fomos jantar e depois passeamos na calçada de Copacabana entre turistas e cariocas nossa alegria era notada pôr todos. Voltei a minha vida normal, estudava fisioterapia e trabalhava em eventos. Nosso relacionamento firmava cada vez mais, fiquei sabendo que Orlando era gerente administrativo de uma grande metalúrgica. Sem planos para o futuro, vivendo intensamente a vida de jovens namorados, nos finais de semana viajávamos para cidades próximas do Rio. Foi numa manhã quando ia para a faculdade, senti mal estar e lembrei com desespero que não menstruara naquele mês. Fui ao médico sem nada dizer a Orlando e fiquei sabendo da gravidez. À noite voltei para meu apartamento, morava sozinha, meus pais ficaram em João Pessoa. Silenciosamente caminhei pelo minúsculo apartamento, pensando em ligar para Orlando, mas não tinha coragem, quando de repente o telefone tocou, era ele dizendo que estava com saudade. Conversamos rapidamente ,mas não falei sobre a novidade. Não passou nem cinco minutos o porteiro informou que Orlando estava subindo, dei uma risada de surpresa, pois Orlando falara do celular na portaria do prédio. Aproveitei a noite, depois das carícias de nosso grande amor, falei da gravidez, para minha alegria e surpresa, Orlando abraçou-me e beijou minha barriga, dizendo que esse fora a melhor noite que ele vivia. Passado os dias, Orlando providenciou nosso casamento, informando a família e foi uma cerimônia simples. Fomos morar numa casa em Maricá, a casa de grandes janelas de vidro, os quartos tinha a paisagem do mar e das montanhas, escolhemos o quarto de nosso bebe onde na janela havia um grande boguenvile na cor maravilha, que contornava a janela exageradamente. Orlando mesmo podara para que ficasse só de um lado. Decoramos o quarto com muitas cores, preferimos não querer saber o sexo do neném, seu bercinho colorido cortinas listradas, parecia um quarto de jardim. Fui para a maternidade numa manhã de inverno com muita chuva, Orlando percebera aquela noite de insônia e não fora trabalhar, silenciosos numa expectativa natural, Orlando colocou a música de Kátia Ellen “Quando o segundo sol chegar, e realizar...” segurou sua mão numa mistura de medo e alegria. Entrei para a sala de cirurgia, nosso neném nasceu, mas pôr ironia do destino, uma falha médica, ele caiu das mãos do cirurgião, fraturando gravemente a coluna. Dei um grito sem saber o que acontecia quando ouvi uns murmúrios na equipe, meio sonolenta, adormeci acho que pôr medo de saber do acidente. Quando acordei no quarto, uma sensação de esperança que tivesse sido um sonho, mas meu pressentimento assustava-me. Ao abrir os olhos, vi meu marido e uma equipe de médicos. Participaram o que acontecera, informando que o cirurgião seria punido e o hospital arcaria com uma indenização, pois meu bebe sofrera uma fratura e tinha sido operado e as esperanças eram remotas de sobrevivência, mas que se vivesse, seria tetraplégico. Chorei silenciosamente, virei as costas e fiquei olhando a parede a minha frente, era o que simboliza a minha vida naquele momento, sem saída sem alegria sem nada. A luta foi desigual, meu neném suportou a cirurgia e em casa começou minha luta. Não terminei o curso de fisioterapia, mas já chegara a fazer estágios, e tinha alguma noção de como lidar com aquele problema. Minha vida passou a ser integralmente para meu bebe, ele era lindo, tinha os cabelos loirinhos e olhos. Azuis. Posicionei sua cama de frente para a janela. Os meses foram passando, sua reação era limitado em sorrisos, choros, e doenças respiratórias, não movia nem a mão, e sobre meus esforços, lutava pôr algum progresso. Passados três anos, meu filhinho Leonardo naquela cama, minha vida com Orlando mudara muito, ele ia se afastando a cada dia, havia noites que ele não voltava para casa dizendo que havia muito serviço na metalúrgica. Seu afastamento foi tão lentamente que quase não notara. Foi numa manhã em que adormecera no quarto de Leonardo, que Orlando foi até o quarto e perguntou o que acontecera, respondi que nosso filho passara mal a noite toda com febre e gripe. Vi Orlando balbuciar algo que não entendi, mentira pra ele, pois a verdade é que Leonardo tinha um problema respiratório crônico e eu tentava suavizar para não entristecer ainda mais a nossa vida. Orlando voltou para o quarto para se arrumar, e a demora foi maior que os outros dias, fiquei deitada na cama de Leo olhando as nuvens que formavam bichinhos e outras figuras, segurava suas mãozinhas fininhas, quando percebi Orlando na porta do quarto nos olhando. Virei e sorri, Orlando tinha a seus pés uma mala. Tomei um susto e levantei perguntando se ele ia viajar. Orlando não respondeu e foi caminhando para sala. Acompanhei assustada, pressentia a resposta, e meus pressentimentos não foram diferentes, Orlando abraçou-me dizendo, que não suportava mais aquela vida, que ele não tinha minha força, que estava indo embora e que não deixaria faltar nada. Chorei convulsivamente abraçada em seus braços imóveis, implorei que não nos deixasse. E num silencio sofrido, Orlando afasta-me de seus braços e sai fechando a porta sem olhar pela vidraça como sempre fazia. Voltei para o quarto e fiquei sentada na cama olhando para Leonardo que nesse instante deu um sorriso inocente, debrucei-me sobre seu corpinho frágil e chorei muito tempo, ouvindo sua respiração, num abraço de mãe, jurei que jamais o deixaria, que nada nem ninguém poderia nos afastar. Os dias foram passando, tentava ligar para Orlando e sua secretária dizia que ele estava em reunião ou viajando. Uma noite recebi sua ligação em palavras frias e distantes, Orlando pediu que eu não voltasse a ligar para a empresa, pois ele estava de casamento marcado com a filha do diretor da empresa. Desliguei o telefone como num choque elétrico, numa mistura de raiva e ciúmes fui até a janela e briguei com Deus. Mas arrependida retornei para dentro de casa e agradeci a Deus aquela paisagem, o céu estrelado com a lua refletindo no mar, meu filhinho adormecido de frente para o céu estrelado. Dei um sorriso e cheguei a sentir felicidade. Passaram os anos, Leonardo já tinha doze anos, crescera, mas seu corpinho magrinho e a pele branquinha faziam suas feições angelicais. Minha luta era conhecida naquela pequena cidade, descia a ladeira de minha casa com Leo na cadeira de rodas, fazia compras ia ao Bancos, e sempre que retornava, tinha alguém para ajudar-me a subir a ladeira até minha casa. Raramente sabia de Orlando, a ultima notícia que tivera, ele continuava casado, mas não tinham filhos, pois viviam viajando. Uma manhã de primavera, o céu estava com um azul maravilhoso o mar competia com o céu, formando ondas espumosas, as nuvens em blocos parecia o cenário de um espetáculo dos deuses. O boguenvile estava carregado de flores, fui até a janela do quarto de Leonardo, ele estava acordado com um longo olhar para o céu, dei um psiu pra ele e um beijo, liguei a televisão, era um Sábado, a Xuxa cantava alegremente, percebi uma mudança em suas feições, seus olhos brilharam, fui até o boguenvile e peguei com cuidado um ramo de flores e tentei colocar em suas mãos, seus olhos ficaram parados olhando as flores e num gesto único em sua vida, tentou pegar as flores, fiquei rindo e nesse instante, Leonardo olhou para o céu sorrindo como se estivesse vendo algo e lentamente fechou os olhos tombando a cabeça para o lado. Olhei para o céu nesse instante e vi uma grande nuvem na figura de um anjo. Olhei para Leo assustada e percebi seu corpinho frio. Dei um grito que acho Ter chegado até o céu, as nuvens se dissiparam e gritei pela casa, gritei tanto que os poucos vizinho daquela ladeira, vieram correndo a meu socorro. Passaram os dias, tentei ligar para Orlando para dizer o que acontecera, mas como sempre não consegui. Um ano depois, retornei minhas atividades, de casa e resolvi fazer trabalhos voluntários em hospitais. Foi numa manhã de primavera, estava no quarto de Leo recordando sua vida, olhando suas fotos, o boguenville estava florido, o céu e o mar brincavam de fazer a beleza da natureza mais alegre, debruçada em recordações alegres e tristes, ouvi o telefone. Atendi sem entusiasmo, quando a voz de uma enfermeira desconhecida informou que Orlando estava internado naquele hospital há dois meses e pedira que fosse dado esse recado. Tomei um susto, perguntei o endereço e fui correndo visitá-lo. Orlando sofrera um acidente de carro, ficou paralítico e foi abandonado pela esposa. Entrei no quarto daquele hospital, minha mente embranquecida, meu coração disparando dividido entre tristeza e piedade, nossos olhos se encontrou, silenciosamente fui até sua cama e segurei suas mãos dizendo em meu silencio que estaria ali para sempre com ele. Levei Orlando para nossa casa, e como o quarto do Leonardo tinha cama especial, acomodei-o ali também. Minha luta retornou, nunca perguntei o que acontecera, nem ele. Apenas uma noite Orlando perguntou como Leonardo morreu, expliquei sem muitos detalhes, e vi umas lagrimas correrem em seus olhos. Seu corpo estava maltratado com ferimentos, tanto do acidente como de Ter ficado em hospital sem uma fisioterapia. Tratava dos ferimentos e fazia fisioterapia em Orlando. Cuidava com o mesmo carinho da época em nos amávamos, mas não permitia que ele percebesse. E os dias foram passando. Ainda era primavera, a manhã estava linda, o sol dourando as montanhas e o mar, as flores na janela, afastei ainda mais as cortinas e deparei com Orlando sorrindo olhando para o céu. Colhi um ramo de boguenvile e dei a ele, brincando, em gesto carinhoso, olhei para o céu e vi nas nuvens um anjo. Sorri e fui até sua cama e dei um abraço de alegria e de perdão. 25.02.2001-02-25 Lira Vargas.
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A MÁSCARA DO TEMPO
Todos os sábados o casal de velhinhos, atravessava a rua e iam para o bar da esquina. Ele de nome Silvio, tinha um semblante sério, mal humorado, ela, bem cansada pela idade, tinha feições meigas, as rugas profundas, pareciam marcar a história de sua vida.
Sentavam no bar e o Silvio pedia cerveja, e conversavam banalidades, mas lá pelas tantas da tarde, Silvio começava a ofender a parceira de bar, que só bebia refrigerantes, talvez a maneira discreta de acompanha-lo na bebida. Silvio começava a ofende-la, culpava-a de sua infelicidade, ela o olhava, num olhar vago e meigo, Silvio dizia de sua solidão, que marcava a história de sua vida, culpava-a de não Ter filhos, dizia que odiava seus olhos azuis, suas rugas e seu silencio, e quando as acusações ficavam sem fundamento, Silvio tirava a blusa de seu time e a vestia na parceira de mesa, ela passivamente permitia que a camisa cobrisse seu rosto, sem desce-la até o pescoço, e sem um só movimento, ficava naquela posição um tanto débil, a escuta das acusações do Silvio. Ele pagava a conta sob os olhares de reprovação, e num gesto meio cômico, carregava a companheira no colo, pois ela permanecia com a camisa sobre os olhos, carregava-a até a rua, parava perto da porta do sobrado, colocava-a no chão, abria a porta, voltava e a carregava até as escadas.
Foi num sábado de outono, o sol disputava com a brisa fresca que envolvia a cidade. O casal chegou no bar. Todos sabiam que a cena se repetiria como todos os sábados. Alguém pilheriou que não permitiria que o Silvio cometesse a mesma covardia de todos os sábados. Silvio chegou, ainda alegre com a companheira silenciosa, pediu cervejas e bolinhas de queijos, sentaram-se à mesa e o dialogo começou sem problemas, na rua o vento soprava a poeira, ela, tentou se defender da poeira e Silvio ajudou-a a limpar o braço enrugado, os dedos compridos sobre a mesa, o corpo frágil. Nesse instante alguém ligou o rádio e a música de xitãozinho e xororó ecoou pelo bar “quando a gente ama qualquer coisa serve pra lembrar, um vestido velho da mulher amada tem muito valor...” ela tentou cantarolar, batendo levemente os dedos sobre a mesa. Silvio empolgado com a música acompanha os cantores, e com a cerveja no copo, faz um brinde no ar, a companheira levante seu copo de guaraná, respondendo num gesto meigo o brinde, sabe-se lá porque.
Quando termina a música, Silvio sugere que repitam a fita, e paga para tal musica permanecer, e a essas alturas a cerveja já começara seus efeitos e Silvio, cantando, dá uma parada e olha nos olhos meigos da companheira de bar e faz as acusações de sua infelicidade, ela o olha, balbucia algo, mas Silvio não permite que ela diga algo, diz que odeia sua voz, seus olhos e seu silencio. Tira a blusa e cobre seu rosto, pede a conta e a carrega de maneira patética. As pessoas do bar fazem os mesmos comentários de recriminação, mas ninguém impede Silvio a carregar a companheira pela pequena rua, pela pequena distancia. Ao atravessar a rua, Silvio para e olha para trás, olha para o bar e grita para que desliguem a música. Chega perto da porta do pequeno sobrado e deita a companheira no chão, o sol já desistira de lutar com o vento, folhas de jornais rolavam pela rua. Silvio abre a porta e se abaixa para carregar a companheira, que não reage, Silvio a sacode e tira a camisa de seu rosto. Percebe nesse instante que a companheira de bar, não respondia aos seus chamados. Silvio dá um grito de pavor.
__ Camélia, Camélia, eu te amo, não faça isso comigo, não me deixe, Camélia, eu te amo.
E sacode seu corpo inerte no chão, nesse instante ambos cercados pôr pessoas. E no desespero da morte, Silvio sofre um enfarte fulminante caindo sobre o corpo de Camélia, que nesse instante, acorda do desmaio, ajudada pelas pessoas, Camélia, num gesto meigo, e sofrido, senta no chão, segura a metade do corpo de Silvio sobre seu colo, e num gesto maternal, permite as lágrimas rolarem em seu rosto marcado pelo tempo:
_____ Meu filho, eu te amo, não me deixe.
Lira vargas
REFÚGIO NOS PINHEIROS
Ainda sofria a dor da perda de minha mãe. Minhas vestes ainda de luto. A dificuldade de minha vida simples, com quatro filhos, e na precária informação dos anos 50, sabia apenas que os destinos dos portugueses era o Brasil.
Amanheci naquele dia com o peito apertado, mal consegui cumprir com as tarefas domésticas, talvez quisesse atrasar as horas. Alberto com quinze e Augusto, com dezesseis anos, meus dois filhos iriam naquele dia partir para o Brasil. Terra distante, a terra prometida onde o ouro brotava a flor da terra.
Foi chegada à tarde, arrumava suas malas com os mesmos cuidados de quando pequeninos iam para a escola, arrumei uma maleta com bolos, doces etc. como se aquela refeição durasse para a vida inteira, como se a viagem fosse breve, como se eles fossem voltar breve, em minha mente ainda não havia a certeza da longa partida, de dias sem fim de uma saudade imensa. Eram quatro horas quando a charrete parou em frente a minha casa e meus filhos já prontos, num silencio triste, seus olhinhos arregalados, como prontos para uma missão patriota. Fomos caminhando até a porta, as escadinhas de barro não cabia todos nós, e de um a um descemos até o portão. O cachorrinho Dic acompanhou silencioso, batia o rabo parecia prever a saudade, parecia despedir. Os dois subiram na charrete, fiz recomendações de cuidados, de notícias, mas que notícias? Se onde morava nem correios tinham, e para onde eles iam, será que tinha? As rodas secas da charrete foram resmungando a força de meus pensamentos “não vá”. No céu as nuvens coloriam os raios de sol. A charrete e foi se afastando lentamente, os dois olharam para trás, eu apenas os olhava silenciosa, A estrada curta, logo a charrete se perdeu numa curva. Nesse momento, segurando o moerão do portão, senti algo sair de meu peito e despencar de meus olhos as primeiras gotas de lágrimas, que inundaram meus olhos de uma dor nunca antes sentida. Uns pássaros voaram no céu em direção a estrada, olhei para o horizonte e montanhas embaçadas cortaram minhas vista, e pensei em que horizonte estaria o Brasil? E num gesto infantil, corri até a estrada, dei conta naquele momento da perda de meus dois filhos, corri como se a chamá-los poderia trazê-los de volta, corri, corri, e quando cheguei na curva, avistei uma poeira ao longe, imaginei que pudesse ser da charrete, retornei até o portão, e tentei ser rigorosa, e num gesto de mãe autoritária gritei em meus pensamentos “Alberto e Augusto... voltem” mas esse pensamento de nada valeu, subi com dificuldades os três degraus até a porta da sala, num silencio triste, passei pelo quarto deles, e vi as camas vazias, fui até a cozinha e o fogão de lenha ainda em brasa, e na pequena mesa, as canecas do café tomadas às pressas e os farelos de bolo ainda pela mesa, as lágrimas faziam aquelas cenas turvas. Fui até a janela do quintal, o galo cantou tristemente, bateu as asas e foi embora, olhei os matos, as árvores, pareciam Ter crescido, senti-me pequena naquele instante, passei as mãos em meus seios, e lembrei de quando os amamentei, passei as mãos em meu ventre, estava gelado, parecia que havia um buraco que vazava até minhas costas, chorava baixinho enxugando as lágrimas na velha saia preta, luto de minha mãe. Perambulei pela casa, que como as árvores, ficou enorme, era a saudade em vida, enterrar os filhos por morte em vida, tinha o mesmo sabor, um sabor amargo, uma dor sem fim. Minha filha mais nova, não entendia minha dor e perguntou na sua inocência, quando eles voltariam. Nesse momento dei conta da pergunta e da resposta: não sabia. Era assim com muitos patrícios, era assim a dor de muitas mães. Foi assim desde os primeiros navegantes. Talvez por isso os poetas e cantores eram tão melancólicos em suas obras e canções. Voltei até a porta da sala, tentei ir até o portão, mas não tive forças, era tardinha, ainda cedo para ir para a cama, mas fui. Deitei lentamente em minha cama, escondi meu rosto no travesseiro e chorei, chorei muito, tanto, mas tanto que adormeci e sonhei que Alberto e Augusto estavam no navio, o mar batia e os dois estavam abraçados de calças curtas e boné, perto da proa, as ondas imensas ameaçavam o navio, eu estava em outro navio e tentava alcança-los para salvar, nesse momento eles gritavam por mim, joguei uma corda até eles, queria trazê-los para o meu navio, a chuva castigava, a tempestade era terrível, a corda foi até perto de meus filhos, eles seguraram e tentei puxa-los até o meu navio, mas uma imensa onda arrastou o navio deles, gritei, mas gritei tanto que acordei com minha filha e meu marido a olharem pra mim perguntando, e novamente cai num choro de mãe, como se uma parte de meu corpo tivesse sido arrancado e dessa vez não escondi meu choro, chorei no silencio de todos que olhavam aquela mãe sofrida.
A noite chegou, servi o jantar, meu corpo doía muito, meu marido e minha filha foram dormir, acenderam os candeeiros, perambulei pela pequena casa, passei pela cama de meus filhos viajantes e senti vontade de juntar as duas camas e deitar lá, recusei a vontade e fui até a janela, o vento quente trouxe a voz melancólica de um sanfoneiro, e as lágrimas brotaram duplicando as estrelas no céu. Fui até o quarto de meus filhos, pequei duas blusas velhinhas deles, caminhei até os pinheiros ainda sentindo o cheiro deles, dobrei os mais que pude, tapei minha boca para que ninguém ouvisse meus gritos e gritei seus nomes, gritei o mais que pude, quase sufocando meu rosto chorei até que as lágrimas desceram tão quentes que pareciam cortar minha face, retornei até a casa, meus passos agora trôpegos, como uma anciã, mas era a dor que envelheceu minha alma, a dor da saudade de meus filhos.
Fui para a cama, à noite longa, só trouxe recordações de suas vidas, dos sorrisos dos choros, das voltas do pomar com frutas nas cestas, dos banhos de chuva em tardes de verão, das brincadeiras de meninos, dos primeiros passos, dos primeiros dias de vida quando aconchegavam em meu colo, sugavam a fonte de vida tirada de meus seios, das dores que senti para a porta do mundo, num parto de dor e alegria, das noites com meu marido onde sonhei com uma casa cheia de filhos e netos para perpetuar a família, para dar a alegria a minha vida. Nessas recordações, amanheci, a dor doía ainda mais.
Os dias se arrastavam sem nada. Sem notícias, sem esperança, às vezes ficava olhando o caminho e parecia que logo, a charrte traria de volta meus meninos. Mas a esperança se perdia quando olhava para as montanhas lá longe e as lágrimas inundavam meus olhos, e quando não conseguia distinguir mais nada, pensava, assim é o Brasil, nada sei como é esse país, da distância, que nos separou.
E quando a saudade apertava meu peito, a esperança findava com as tardes, ia até os pinheiros, tirava de dentro de meus seios as blusas de meus filhos, e para que ninguém ouvisse, sentia o cheiro deles, envolvia o mais que podia a minha boca e gritava seus nomes, um grito de dor, um grito de mãe.
Hoje, estou com oitenta anos, não posso mais ir até os pinheirais minhas pernas não permitem, não posso mais gritar, minha voz está fraca, ainda guardo suas blusas rasgadas de tanto que enxugaram minhas lágrimas, mas, na cadeira de balanço, quando estou sozinha...ainda posso chorar.
Os pinheiros ainda são os mesmos, ainda guardam meus gritos e minhas lágrimas.
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POR UM LUGAR NA CALÇADA
Domingo de sol, alguém chega com alegria informando que trouxera peixes
E camarões para a caldeirada. Dona Isabel falou baixinho para Seu Antonio que só podia ser Lurdes chegando, pois ela trazia alegria e gritaria.
Reunidos na cozinha, dividiam as tarefas para o almoço. Sandra ficou pra cortar os legumes, Magali pra limpar os peixes, Marina a cunhada, mulher de Alberto, grávida, foi poupada, ficaria sentada participando da conversa.
De repente Lurdes pergunta por Roberto, o irmão mais novo de dezesseis anos. Dona Isabel responde com aquele jeito de carinho e preocupada, que ele está dormindo. Lurdes faz sinal de crítica, vai até o quarto e para na porta olhando Roberto adormecido que resmunga para que ela saia. Lurdes senta na beirada da cama e pergunta o motivo dele estar dormindo até àquela hora e com tanto calor. Roberto não responde, e vira para o outro lado.
Lurdes se afasta, em seu olhar transparece a preocupação, e fica sabendo que Roberto chegara quase ao amanhecer. Sua mãe informa que a maior preocupação dela é com acidentes e assaltos.
Roberto levanta da cama, e vai tomar banho. Ao chegar na cozinha, procura algo pra comer. A família o olha com atenção e logo alguém oferece café e tenta iniciar uma conversa, mas Roberto recusa, toma o café olhando para a janela silencioso. Lurdes é enfermeira, estava separada e não tinha filhos. Fica observando o jeito de Roberto, mas não fala nada. Roberto se despede da família e Dona Isabel reclama que ele não fica mais em casa como antes e que não entende seu modo de viver. Lurdes discretamente vai até o quarto de Roberto e tenta abrir seu armário. Depois de muitas tentativas, Lurdes depara com uma pequena maleta. Ao abrir, toma um susto. Lurdes sempre temeu que Roberto se envolvesse com droga ou furtos, mas o que ela acha na maleta, é um diário em que ele confessa suas tendências sexuais. Lurdes dá um grito e chama as irmãs, os pais se aproximam, mas Marina tenta disfarçar fazendo sinal para Lurdes não falar para eles, mas foi tarde demais. O almoço transcorreu em clima de tristeza, cada um tramou uma maneira de falar com Roberto quando voltasse. Marina tentava tranqüilizar a família, dizendo que o homossexualismo era natural, que na história da humanidade, existiram grandes personalidades que deixaram grandes obras e muitos respeitados, e que até nos animais existem essa opção. Mas nada adiantava, Dona Isabel e Seu Antonio, passaram a tarde no quarto envergonhados. O tempo foi passando, a noite chegou, todos foram embora e Roberto não voltara. Da raiva passou a preocupação. Amanheceu e nada da volta. Resolveram procurar na policia e nos hospitais, quando Marina percebeu que a preocupação aumentava há cada hora resolveu contar que tinha ligado para o celular de Roberto informando o que descobriram e que ele não mais voltaria. A reação foi geral, começaram a chorar e diziam que Marina não deveria ter tomado aquela atitude.
O ônibus sai da rodoviária, Roberto está na janela, de seus olhos rolam lágrimas, era uma mistura de vergonha e saudade, não se despedira de seus pais, sempre pensou ir embora, viver sua vida, mas não daquele jeito, fugindo como um criminoso. Sabia que aquela viagem seria longa, escolheu o Rio de Janeiro, lá ninguém o conhecia, lá não precisaria esconder sua verdadeira sexualidade, lá encontraria a liberdade.
Na rodoviária o tumulto era grande, pessoas que vinham, outras que iam, Roberto deu a ultima olhada para o ônibus de sua cidade, suspirou e sorriu como um menino. Trazia pouco dinheiro, pois fora muito de repente. Procurou um banco e sentou esperando o dia amanhecer. Nada sabia daquela cidade. O dia amanheceu, Roberto levanta do banco, procura um banheiro para se arrumar, lava o rosto, passa as mãos molhadas pelos cabelos e lembra que não tinha pente, a roupa amarrotada, mas o rosto jovem e bonito o anima para partir para a luta pelo desconhecido. Dá um sorriso e sai.
Caminha sem direção pela calçada, o suor escorria pelo rosto, palpava o bolso, preocupado. Chega no centro do Rio, entra numa lanchonete e pede um salgado e um refresco. Como devagar, para matar a fome, não poderia comer outro. Senta em um banco, não sabe em que trabalhar. Seu corpo franzino, rosto de menino, não tinha forças para pegar em trabalho pesado. A sua frente os garis da prefeitura faziam a limpeza, Roberto admira a força daquele pessoal, mas sabe que ele não poderia optar por aquele tipo de função. Olha para os restaurantes, nada sabe de servir refeições. De repente sentam dois meninos ao seu lado, um deles com uma faca, impõe que Roberto entregue o dinheiro. Roberto assustado tenta negar, mas a faca é espetada em suas costelas lentamente, e ele não tem outra saída, entrega o pouco que tinha. Os meninos saem lentamente e olham rindo. Roberto volta para o banco e chora, um choro sentido um choro de menino. Ele sae daquele lugar e anda pela cidade. A noite foi chegando, as pessoas voltando para suas casas, Roberto sente fome. Vai andando, procurando no chão alguma moeda para comprar o que comer acha uma aqui outra ali, mas não completam o valor de um lanche. Não tem outra alternativa, entra nas lanchonetes e aguarda discretamente alguém jogar um resto de lanche no lixo, mas nada acontece, vai para outra lanchonete. Entra e aguarda, nesse instante um cachorro de rua para perto da lixeira, parecia estar com a mesma intenção, e alguém joga um salgadinho que bate na lixeira e cai fora, Roberto se aproxima mais rápido que o cachorro, que o olha decepcionado, Roberto se afasta e o cão o acompanha, ele reparte o pequeno pedaço e vai embora. Anoiteceu, ele escolhe um local para dormir, a praça parecia segura, pois tinha muitas pessoas. Roberto senta no banco se acomoda e fica olhando as pessoas passando a sua frente. De repente sente um homem ao seu lado e pergunta se ele não gostaria de tomar um banho em sua casa. Roberto aceita imediatamente, sem nada falar. Caminham pela rua e chegam num pequeno apartamento. Roberto enfraquecido olha para a cozinha e a fome aumenta, mas o homem indica o banheiro. Depois indica o quarto. Quando o homem adormece, Roberto tenta acorda-lo para pedir algo pra comer, mas o homem mal humorado levanta, vai até a cozinha e volta com cervejas, ele recusa e diz que precisa ir embora, o homem pergunta o valor daquela transa, Roberto surpreso responde um pequeno valor, pois a intenção dele era comer algo. Ele pega o dinheiro e sai pulando pelo corredor, sentia muita fome, vai a procura de uma lanchonete, mas já era tarde, estavam fechadas. Roberto preocupado em não ser roubado, esconde o dinheiro sob uma pedra perto do banco. E acertara, pois não demorou, dois rapazes o abordam exigindo dinheiro, ele nega e mostra os bolsos vazios, antes de se afastarem, dão socos e pontapés em Roberto. Ele adormece e as lagrimas, misturadas ao sangue, que corria de suas narinas, mostrava uma aparência desagradável. O dia seguinte foi mais fácil, pois fez as refeições necessárias. Perambulou pela calçada, até que anoiteceu e Roberto voltou para o mesmo banco. Conheceu outros e outros homens, comprou algumas peças de roupa e decidiu procurar um emprego. Perambulava pelo comercio à procura de uma vaga, nada conseguia.Quando anoitecia retornava para a praça. Uma noite estava à espera de algum homem, quando foram abordadas por outras prostitutas elas exigiam que Roberto saísse dali, pois ele estava atrapalhando o trabalho delas. Ele tenta explicar que não conhecia outro lugar, foi humilhado e ameaçado de levar uma facada. Na confusão, a policia chegou e foi levado preso. Na delegacia, tentou explicar, mas foi jogado numa sela. Os presos tentaram estupra-lo o pavor era nítido em seu rosto, tentava se defender, quando Valeria, um o defendeu daquelas pessoas.Sem entender, os presos desistiram. No dia seguinte foi libertado sob recomendações da policia para não arranjar mais confusões. Roberto tentou explicar que não fora ele, mas não quiseram ouvir. Ele e valeria foram libertados. Durante o dia Roberto ficou afastado da praça, até que anoiteceu, retornou ao lugar, com intenção de se explicar às prostitutas, quando encontrou com Valeria. Que falou que o observava há dias, e ofereceu ajuda. Roberto aceitou. Mas teria que esperar até o dia amanhecer, pois Valeria tinha que “trabalhar” naquela noite. Quando amanheceu, Roberto foi acordado por Valeria. Foram para seu apartamento. Valeria disse que ele poderia ficar ali, mas teria que pagar o aluguel. Ele vai até a janela, em seus pensamentos a lembrança de sua família, a saudade fazendo parte de sua nova vida. Valeria o chama e oferece uma roupa feminina, ele aceita e dá um sorriso triste. Valeria animada, informa que daquele momento em diante ele sofreria uma transformação.Suas pernas foram depiladas, a roupa extravagante, Roberto desajeitado, mas feliz. Valeria sugere vários treinos pela casa, aguçando um lado extravagante feminino, ele obedece. Valeria diz que aquela seria sua primeira noite de mulher na rua do Rio. Escolhem um nome exótico “Sarita”., Roberto ficaria no passado.
Inicia uma nova vida, as aventuras da rua variavam entre agradáveis ou às vezes desastrosas, Sarita agora com as feições femininas. Uma noite estava na calçada de uma avenida, quando foi abordado por um casal que o observava de longe, Convidou-a para um teste no show de travestis, Sarita aceitou e sua atuação foi sucesso.Quando cantava sua voz grossa, contrastava com suas feições, era destaque no show. Valéria exigia mais dinheiro dele, até que uma tarde, Sarita não teve disposição para levantar, Valeria vai até sua cama e percebe que ele ardia em febre, temerosa pelo motivo daquela febre, sugere que ele procurasse um medico. No dia seguinte Sarita foi ao posto medico e voltou com a informação que o medico exigiu um exame de HIV. Valéria deu um suspiro nervoso e voltando o olhar para Sarita diz que independente do resultado, ela não o queria em seu apartamento, pois isso implicaria em comentários que poderiam prejudicar sua clientela. Sarita ainda febril foi para a rua. Foi até a casa de show a procura dos donos e quando lá chegou ficou sabendo que eles só voltariam no dia seguinte. Sarita mais um vez foi para a rua. Tudo que ganhava, entregava a maior parte para Valeria, não tinha economias, o estado de saúde piorando. Fraco e faminto Sarita voltou para a praça. Quando conseguiu procurar os dono da casa de show, ao chegar, fora dispensado, Valeria tinha infomado ao pessoal que Sarita estava contaminada por Aids, antes do resultado.
No coral da igreja no interior de Minas, a voz de Nair se destaca das demais, o maestro a elogia e a incentiva que ela continue a fazer parte daquele coral, mas Nair não esconde seu desejo de sair para as grandes cidades a procura de uma nova vida. Quando comenta em casa sobre seus sonhos, sua mãe muda de assunto dizendo que não repetisse essa conversa.
A noite era fria, Nair arruma uma pequena mala e vai para a rodoviária. Chega no Rio de Janeiro ao amanhecer e sem rumo, segue pelas calçadas até que chega na praça. Senta ao lado daquela pessoa ainda adormecida em plena luz do dia. Fica olhando-a com carinho. De repente Sarita acorda e depara com Nair. Apresentam-se e falam de seus problemas. Nair é muito animada e diz que juntariam seus sonhos para saírem daquele pesadelo. Nair trouxera algum dinheiro e procuram uma pensão. Trata de Sarita e procuram o posto médico para saberem do resultado, e ficam sabendo que Sarita tinha apenas uma virose e que o exame de HIV fora negativo. Comemoram com alegria, até que Sarita confessa a Nair que era travesti. Nair sorri daquele episodio e tramam projetos de vida. No pequeno quarto Nair canta musicas da igreja para treinar a voz. Os dois fazem duplas com musicas populares.
Os dois saem numa manhã a procura de uma casa de show. Ao fazer o teste, foi reprovada. Os dois voltam decepcionados. Na rua Nair fala para Sarita que o dinheiro era pouco, que tinham que arranjar algo para fazer o mais rápido possível, para pagarem a pensão. Sarita sugere que deveriam procurar uma casa de show de travestis. Ao chegarem, Sarita se apresenta e é marcado outro teste. Nair está na sala de espera, e passam dois homens dizendo que precisariam de cantores para fazer uma dupla. Nair dá um sorriso e tem uma idéia. Na pensão, ela diz para Sarita que se apresentaria como travesti para o teste. Sorrindo os dois tramam como se apresentarem. Sarita ensaia com ela como se portar. Seguem de volta para a casa de show.
Na platéia os empresários sentados, esperam a dupla se apresentar.Sarita entra no palco, no rosto com maquiagens extravagantes, canta uma canção logo em seguida Sarita acompanha, fazendo uma voz forte. Os empresários entusiasmados contratam os dois para ensaios. Não sabem que Nair era mulher.
A estréia é marcada. Nos cartazes a dupla chamava a atenção das pessoas que passavam. A platéia lotada. A luz colorida é anunciada o inicio do show. Quando Nair entra seus olhos correm pela platéia sua voz emociona o publico logo em seguida Sarita entra e os dois fazem o show. Sarita com uma fantasia de mulher de cabaré, cantando:
A CIDADE ACENDEU AS LUZES,
É HORA DA SAUDADE CHEGAR
NO CABARÉ O PERFUME EXALA
MISTURANDO NA FUMAÇA
NO PIANO A CANTORA BRINDA OS VISITANTES
LÁ FORA AS LUZES JÁ SE APAGARAM,
SO FICARAM AS QUE ILUMINAM OS BOEMIOS
A SAUDADE JÁ MISTURADA AO PERFUME DO CABARÉ
E DISFARÇO AS LAGRIMAS
COLORIDAS DA PINTURA DE MINHA FACE.
O BATON SE PERDEU NO COPO
MEUS CABELOS EM DESALINHOS
NA LEMBRANÇA A FALTA DE SEUS CARINHOS...
Sarita entra vestida de boêmio, chapéu e roupas brancas,mas a maquiagem feminina contrasta com a roupa.
EI...NÃO DESMANCHE SEUS CABELOS ASSIM
ESTOU AQUI PRA DIZER QUE VOLTEI
LA FORA DEIXEI OUTRA AMADA SOFRENDO
E CONTRA O VENTO, VIM CORRENDO
PARA BRINDAR COM VOCE A SAUDADE
PASSE OUTRA VEZ O BATON
QUERO TIRAR COM MEUS BEIJOS E AFAGOS
NO PIANO OUTRA VEZ ALGUEM VAI TOCAR
A CANÇAO DOS AMANTES DA NOITE
Os dois cantam com o rosto colado, dançam em ritmo de tango e se beijam,
Um grupo de bailarinas entram dançando. Arrancando aplausos da platéia.
. O empresário Walter desvia o olhar de Nair. Sarita percebe que ambos estavam apaixonados mas, Walter evita aquele sentimento por não saber que Nair era mulher. E Nair pede a Sarita que não fale do segredo pois, se ele soubesse, ele teria que terminar com a dupla,pois nos contratos nas casas noturnas, ele dizia que os dois eram travestis, e isso poderia implicar em encerramento de contratos e até em processo. Sarita concorda com ela.
O sucesso da dupla chega ao conhecimento de uma casa de shows da França. Walter agiliza um contrato e os dois são convidados.
Na França, eles se hospedam num luxuoso hotel. Sarita e Nair ficam no mesmo quarto. Na véspera da estréia, Walter liga para o quarto apressando os dois para o ensaio.
Sarita desce até o shopping do hotel para comprar um presente pra Nair que fazia aniversário naquele dia. Walter preocupado com a hora vai até o quarto. Nair estava saindo do banho, joga a toalha na cama cantando a música do show. Depara com Walter e se olham por um longo tempo. Walter da um sorriso e pergunta por que ela não falara que era mulher. Nair cobre-se com a toalha. Nesse instante Sarita entra com o presente cantando “parabéns pra você...” Os três sorriem abraçados.
Descem para a rua, a neve caindo eles se dirigem para o carro.
Na casa de Roberto, e de Nair as família recebem um cartão postal da França.
“O tempo passa a distancia aumenta, as lembranças vivem, e a saudade finda”.
Lira Vargas.
UM ANJO NAS NUVENS
Conheci Orlando numa feira de automóveis, trabalhando como recepcionista, seu jeito elegante e esportivo logo chamou minha atenção, ficamos numa paquera gostosa pôr muito tempo. Sempre que ele passava pôr perto nossos olhos se encontravam, e sorrisos misturados com timidez e sensualidade marcavam aqueles instantes entre um carro e outro. E sem surpresa, recebi seu cartão e um convite para um jantar, recusei informando que só ficaria livre no final de semana após a feira, Orlando abriu um sorriso e disse que não tinha problema, que aguardaria meu telefonema.
Na semana seguinte liguei e marcamos um encontro. Para minha alegria Orlando comprara exatamente o carro que estava em meu stand Perguntando meu nome respondi : Helena. Fomos jantar e depois passeamos na calçada de Copacabana entre turistas e cariocas nossa alegria era notada pôr todos.
Voltei a minha vida normal, estudava fisioterapia e trabalhava em eventos.
Nosso relacionamento firmava cada vez mais, fiquei sabendo que Orlando era gerente administrativo de uma grande metalúrgica. Sem planos para o futuro, vivendo intensamente a vida de jovens namorados, nos finais de semana viajávamos para cidades próximas do Rio.
Foi numa manhã quando ia para a faculdade, senti mal estar e lembrei com desespero que não menstruara naquele mês. Fui ao médico sem nada dizer a Orlando e fiquei sabendo da gravidez. À noite voltei para meu apartamento, morava sozinha, meus pais ficaram em João Pessoa. Silenciosamente caminhei pelo minúsculo apartamento, pensando em ligar para Orlando, mas não tinha coragem, quando de repente o telefone tocou, era ele dizendo que estava com saudade. Conversamos rapidamente ,mas não falei sobre a novidade. Não passou nem cinco minutos o porteiro informou que Orlando estava subindo, dei uma risada de surpresa, pois Orlando falara do celular na portaria do prédio. Aproveitei a noite, depois das carícias de nosso grande amor, falei da gravidez, para minha alegria e surpresa, Orlando abraçou-me e beijou minha barriga, dizendo que esse fora a melhor noite que ele vivia.
Passado os dias, Orlando providenciou nosso casamento, informando a família e foi uma cerimônia simples.
Fomos morar numa casa em Maricá, a casa de grandes janelas de vidro, os quartos tinha a paisagem do mar e das montanhas, escolhemos o quarto de nosso bebe onde na janela havia um grande boguenvile na cor maravilha, que contornava a janela exageradamente. Orlando mesmo podara para que ficasse só de um lado.
Decoramos o quarto com muitas cores, preferimos não querer saber o sexo do neném, seu bercinho colorido cortinas listradas, parecia um quarto de jardim.
Fui para a maternidade numa manhã de inverno com muita chuva, Orlando percebera aquela noite de insônia e não fora trabalhar, silenciosos numa expectativa natural, Orlando colocou a música de Kátia Ellen “Quando o segundo sol chegar, e realizar...” segurou sua mão numa mistura de medo e alegria. Entrei para a sala de cirurgia, nosso neném nasceu, mas pôr ironia do destino, uma falha médica, ele caiu das mãos do cirurgião, fraturando gravemente a coluna. Dei um grito sem saber o que acontecia quando ouvi uns murmúrios na equipe, meio sonolenta, adormeci acho que pôr medo de saber do acidente.
Quando acordei no quarto, uma sensação de esperança que tivesse sido um sonho, mas meu pressentimento assustava-me. Ao abrir os olhos, vi meu marido e uma equipe de médicos. Participaram o que acontecera, informando que o cirurgião seria punido e o hospital arcaria com uma indenização, pois meu bebe sofrera uma fratura e tinha sido operado e as esperanças eram remotas de sobrevivência, mas que se vivesse, seria tetraplégico. Chorei silenciosamente, virei as costas e fiquei olhando a parede a minha frente, era o que simboliza a minha vida naquele momento, sem saída sem alegria sem nada.
A luta foi desigual, meu neném suportou a cirurgia e em casa começou minha luta. Não terminei o curso de fisioterapia, mas já chegara a fazer estágios, e tinha alguma noção de como lidar com aquele problema. Minha vida passou a ser integralmente para meu bebe, ele era lindo, tinha os cabelos loirinhos e olhos.
Azuis. Posicionei sua cama de frente para a janela. Os meses foram passando, sua reação era limitado em sorrisos, choros, e doenças respiratórias, não movia nem a mão, e sobre meus esforços, lutava pôr algum progresso. Passados três anos, meu filhinho Leonardo naquela cama, minha vida com Orlando mudara muito, ele ia se afastando a cada dia, havia noites que ele não voltava para casa dizendo que havia muito serviço na metalúrgica. Seu afastamento foi tão lentamente que quase não notara.
Foi numa manhã em que adormecera no quarto de Leonardo, que Orlando foi até o quarto e perguntou o que acontecera, respondi que nosso filho passara mal a noite toda com febre e gripe. Vi Orlando balbuciar algo que não entendi, mentira pra ele, pois a verdade é que Leonardo tinha um problema respiratório crônico e eu tentava suavizar para não entristecer ainda mais a nossa vida. Orlando voltou para o quarto para se arrumar, e a demora foi maior que os outros dias, fiquei deitada na cama de Leo olhando as nuvens que formavam bichinhos e outras figuras, segurava suas mãozinhas fininhas, quando percebi Orlando na porta do quarto nos olhando. Virei e sorri, Orlando tinha a seus pés uma mala. Tomei um susto e levantei perguntando se ele ia viajar. Orlando não respondeu e foi caminhando para sala. Acompanhei assustada, pressentia a resposta, e meus pressentimentos não foram diferentes, Orlando abraçou-me dizendo, que não suportava mais aquela vida, que ele não tinha minha força, que estava indo embora e que não deixaria faltar nada. Chorei convulsivamente abraçada em seus braços imóveis, implorei que não nos deixasse. E num silencio sofrido, Orlando afasta-me de seus braços e sai fechando a porta sem olhar pela vidraça como sempre fazia.
Voltei para o quarto e fiquei sentada na cama olhando para Leonardo que nesse instante deu um sorriso inocente, debrucei-me sobre seu corpinho frágil e chorei muito tempo, ouvindo sua respiração, num abraço de mãe, jurei que jamais o deixaria, que nada nem ninguém poderia nos afastar.
Os dias foram passando, tentava ligar para Orlando e sua secretária dizia que ele estava em reunião ou viajando. Uma noite recebi sua ligação em palavras frias e distantes, Orlando pediu que eu não voltasse a ligar para a empresa, pois ele estava de casamento marcado com a filha do diretor da empresa. Desliguei o telefone como num choque elétrico, numa mistura de raiva e ciúmes fui até a janela e briguei com Deus. Mas arrependida retornei para dentro de casa e agradeci a Deus aquela paisagem, o céu estrelado com a lua refletindo no mar, meu filhinho adormecido de frente para o céu estrelado. Dei um sorriso e cheguei a sentir felicidade.
Passaram os anos, Leonardo já tinha doze anos, crescera, mas seu corpinho magrinho e a pele branquinha faziam suas feições angelicais. Minha luta era conhecida naquela pequena cidade, descia a ladeira de minha casa com Leo na cadeira de rodas, fazia compras ia ao Bancos, e sempre que retornava, tinha alguém para ajudar-me a subir a ladeira até minha casa. Raramente sabia de Orlando, a ultima notícia que tivera, ele continuava casado, mas não tinham filhos, pois viviam viajando.
Uma manhã de primavera, o céu estava com um azul maravilhoso o mar competia com o céu, formando ondas espumosas, as nuvens em blocos parecia o cenário de um espetáculo dos deuses. O boguenvile estava carregado de flores, fui até a janela do quarto de Leonardo, ele estava acordado com um longo olhar para o céu, dei um psiu pra ele e um beijo, liguei a televisão, era um Sábado, a Xuxa cantava alegremente, percebi uma mudança em suas feições, seus olhos brilharam, fui até o boguenvile e peguei com cuidado um ramo de flores e tentei colocar em suas mãos, seus olhos ficaram parados olhando as flores e num gesto único em sua vida, tentou pegar as flores, fiquei rindo e nesse instante, Leonardo olhou para o céu sorrindo como se estivesse vendo algo e lentamente fechou os olhos tombando a cabeça para o lado. Olhei para o céu nesse instante e vi uma grande nuvem na figura de um anjo. Olhei para Leo assustada e percebi seu corpinho frio. Dei um grito que acho Ter chegado até o céu, as nuvens se dissiparam e gritei pela casa, gritei tanto que os poucos vizinho daquela ladeira, vieram correndo a meu socorro.
Passaram os dias, tentei ligar para Orlando para dizer o que acontecera, mas como sempre não consegui.
Um ano depois, retornei minhas atividades, de casa e resolvi fazer trabalhos voluntários em hospitais.
Foi numa manhã de primavera, estava no quarto de Leo recordando sua vida, olhando suas fotos, o boguenville estava florido, o céu e o mar brincavam de fazer a beleza da natureza mais alegre, debruçada em recordações alegres e tristes, ouvi o telefone. Atendi sem entusiasmo, quando a voz de uma enfermeira desconhecida informou que Orlando estava internado naquele hospital há dois meses e pedira que fosse dado esse recado. Tomei um susto, perguntei o endereço e fui correndo visitá-lo.
Orlando sofrera um acidente de carro, ficou paralítico e foi abandonado pela esposa. Entrei no quarto daquele hospital, minha mente embranquecida, meu coração disparando dividido entre tristeza e piedade, nossos olhos se encontrou, silenciosamente fui até sua cama e segurei suas mãos dizendo em meu silencio que estaria ali para sempre com ele.
Levei Orlando para nossa casa, e como o quarto do Leonardo tinha cama especial, acomodei-o ali também. Minha luta retornou, nunca perguntei o que acontecera, nem ele. Apenas uma noite Orlando perguntou como Leonardo morreu, expliquei sem muitos detalhes, e vi umas lagrimas correrem em seus olhos.
Seu corpo estava maltratado com ferimentos, tanto do acidente como de Ter ficado em hospital sem uma fisioterapia. Tratava dos ferimentos e fazia fisioterapia em Orlando. Cuidava com o mesmo carinho da época em nos amávamos, mas não permitia que ele percebesse. E os dias foram passando.
Ainda era primavera, a manhã estava linda, o sol dourando as montanhas e o mar, as flores na janela, afastei ainda mais as cortinas e deparei com Orlando sorrindo olhando para o céu. Colhi um ramo de boguenvile e dei a ele, brincando, em gesto carinhoso, olhei para o céu e vi nas nuvens um anjo.
Sorri e fui até sua cama e dei um abraço de alegria e de perdão.
25.02.2001-02-25
Lira Vargas.
Muito bonito!
Muito obrigado!
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